digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, outubro 21, 2010

Tempos do verbo amar





















Amaste-me imperfeito. Desejámos mais que perfeito. Amei-te perfeita. Não amo. Amarei? Talvez, mas nunca condicional.

Rosa-lírio

Rosa lírio. Flor azul de céu. Flor rara na sua quietude e espírito vivo, mais que as de mais. Numa seara cortada é azul sobre ouro e nas rochas é alegria grande em caule frágil.

terça-feira, outubro 05, 2010

Ir, chegar, como se não estivesse

A meio caminho e já estou. Cheguei porque imaginei o salto de baixo até muito acima. Na distracção fiz a pé o que não quis, sem notar o tempo e o esforço. Voar sem levantar voo. Enquanto uns amam as viagens, outros apreciam os locais. Prefiro dormir, só dormir, para não ter de ir a lado nenhum nem estar noutro local que não a minha cama.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Quase ilha

A minha quase ilha de quase névoa. Onde as gaivotas também pousam e o vento traz cinzentos do mar.
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Quase fora do contorno, como se fosse a lápis a paisagem. Quase fora do contorno, com os pés em descanso para que o corpo não caia para lá da quase ilha.
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Está frio, o cinzento. Esta quase ilha de quase sempre Inverno. Quase sempre o mesmo.
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As quase ilhas têm água a toda a volta, como as ilhas.
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São quase, porque delas não se sai. Está-se na quase ilha e pode ser-se num lugar qualquer.
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As quase ilhas são ingovernáveis, por não haver nada para governar. Não são selvagens nem humanizadas. Nem assim-assim.
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São lugares de estar. Estar sempre, ainda que se possa ser em qualquer lugar. Não se explicam. Não há do que se possa explicar.
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A quase ilha tem água fria e pedras de limos e alfaces-do-mar. Tem pedras molhadas e areia salgada.
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No Natal é outro dia. Dia de solidão mais só. Se não há ninguém nas ruas das cidades... Ninguém para avistar no céu. Ninguém à frente até ao horizonte.
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O Natal é outra solidão. Mas há os caranguejos, os mexilhões e tudo. No Natal, tudo fica a preto-e-branco, em contraste suave, no cinzento de quase nada.
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No Natal não há navios a apitar como no Ano Novo. Tirando o dia de Natal é quase sempre Natal na minha quase ilha.
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Lugar de solidão para amarrar os braços às pernas e enfiar a cabeça no buraco do seu conjunto. Cabeça encaixada e ombros encolhidos.
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Tanto faz se a brisa faz voar a melena. Não há ninguém para secar as lágrimas. Nem ninguém para saber se as feridas se lambem.
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Quase névoa e só o mar a bichanar. Como se fosse um chamamento de Deus, que não me quer só.
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Quase não conheço a quase ilha. Na verdade, não consigo sair deste sítio em que a areia se cola aos pés e as pedras os fazem escorregar.
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Não sei o que é a toda a volta. Instintivamente, com o sexto sentido, sei que se cerca de água. Com esse sexto sentido sei que nela não se entra e dela não se sai.
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Mas pode ser-se noutro lugar.
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Habitante único. Pode ser-se outro na minha quase ilha.

domingo, outubro 03, 2010

Mulher-gato

Os gatos não miam assim, são mais subtis. Tal como quando ela não olha para mim. Imagino o calor da boca e do odor da respiração, tão fresco e higiénico. Com patinhas de lã os gatos saltam para cima de quem gostam, como imagino que ela fizesse comigo quando, semi-adormecido, esperasse por ela na cama. Quase sei a temperatura de pele e a forma como se deita. Miau. Sou rato dum gato que não sabe se vai ser caçado, mas que gostaria muito. Gato de cidade não caça, mas gosta de brincar. Basta-me.