digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, dezembro 01, 2017

A sombra do tempo – Escrever quem sou dizendo a verdade sem que o seja

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Há a sombra do tempo, os espectros no espelho, quase tantos, mais óbvios e sem mudez nos olhos.
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Não são os retratos das pessoas antigas e a sua formalidade austera. Nem as naturezas-mortas, recordações das dádivas, no caminho para a copa.
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É esta casa, em permanente desmedição, o jardim-floresta, longínquo como uma fronteira, sem porta e de quase vidro, e sou eu.
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Sou tudo eu, acompanhamento e ausência, dor empática e mentira.
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Tenho a fantasia exaustiva do poder e do fascínio. A derrota vem e fica, como uma religiosa doença perpétua, e nego-a e enjeito-a, porque vivo a traição de Deus e confio no final, do fulgor, da verdade e do ciúme.
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Nada, só a casa e o todo que se lhe agarra. O linho delicado, a sopa quase fria, a água e a carne. O aroma da prata cortando a conversa quando se bebe o vinho.
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Após sou em qualquer esfera, só na solidão, sem frio nem luar que importe.
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As floreiras de jasmim e violeta, o musgo, nos caminhos dos cisnes e dos gansos, e tanta gente que não veio. Digo um credo, vento estreito que os levou, falo de feitiço e pela verdade choro.
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A resposta está nos livros, se houvesse sabedoria e nela se acreditasse, fiável como o cotão.
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Creio no descomedimento e na deferência, presunção imodesta de quem se sentencia a Lua.
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Sem fé e acreditando na justiça que Deus me deve. Confio no papel irrasgável e no cristal impartível.
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Contudo, existo e desapareço sem óbito.
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Se nem a morte existe, por que não consentir viver.

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